28.10.09

O PODER DA ORAÇÃO


Antônio Serafin sofreu um calafrio ao ver o carro da polícia com o sinal azul piscando atrás dele. Oh, não, de onde teria saído aquela viatura que ele não percebera. Parece que elas tem a capacidade de surgir do nada, como carros-fantasmas... "Tô frito", pensou. Estava um pouco atrasado para chegar ao local de trabalho e o tráfego estava horrível naquela manhã. Por isto, quando a caravana na sua frente acabou de passar e o sinal ficou amarelo, aproveitou para atravessar. Mas o amarelo ficou vermelho enquanto passava, ou seja, Antônio acabara de cruzar uma nova cor de sinal de trânsito, o sinal laranja.leoninaheringer@hotmail.com
Estacionou meio trêmulo e pegou o documento no porta-luvas do carro. “Registration and Driver's License, please”, o guarda falou pra ele. "O senhor sabe por que estou te parando?" Sacudiu a cabeça em sinal afirmativo. Mal levantou os olhos pra olhar a cara do guarda, apenas, timidamente, entregou a única coisa que tinha, uma carteira internacional que tirara num despachante na Main Street, mas que sabia, não tinha validade nenhuma. O guarda pegou a carteira internacional e depois de explicar-lhe que aquele documento não valia nada (assim estava dirigindo sem carteira) e que era falso (o que configurava um crime ainda pior) dirigiu-se à viatura.
A espera de quase trinta minutos era uma tortura para Antônio. Sentia que todas as pessoas que passavam olhavam para ele e isso lhe causava um grande constrangimento. Mas o pior era a idéia do que estava certo iria lhe acontecer. Sua ficha estava lá nos arquivos que o guarda iria acessar, pois fora preso na travessia pelo México e não comparecera à Corte. Muitas pessoas na mesma situação, incluindo o primo dele, haviam sido presas por violações do trânsito e sido entregues ao ICE (Immigration and Customs Enforcement) e o primo fora deportado fazia um mês.
Enquanto esperava, lembrou-se do celular e ligou pra umas três pessoas que conhecia, pedindo pra que orassem por ele. Antônio não havia entrado numa igreja desde que viera para os Estados Unidos; trabalhava demais e não tinha tempo. Minto, havia entrado logo que chegara, levado por um amigo que dissera que o melhor local pra se conseguir emprego é na igreja e realmente fora lá que conhecera alguém que lhe dera o seu primeiro emprego na demolição. Não encontrava ninguém que pudesse lhe responder todas as suas dúvidas a respeito da vida espiritual e acabara por decidir-se por não tentar entender nada. Na verdade, ele mesmo já não orava há muitos anos, mas não podia negar que cria no poder da oração. Muitas vezes no passado, havia tido experiência com orações respondidas. Assim, entrefechou os olhos, respirou fundo e pediu com todo o ardor do coração que conseguiu reunir “Senhor, por favor, me ajuda”.
Depois de um período que lhe pareceu uma eternidade, viu o guarda se aproximando com um ticket na mão. “Mr. Serafin, o senhor tá indo pra 34 Holland St, não é mesmo?”
"Como?", pensou Antônio, "será que, além de tudo, este guarda é um vidente? Ou será que só pelos documentos do carro dava pra saber onde ele ía ou deixava de ir?"
“Sim”, respondeu ainda de cabeça baixa.
“O senhor não tá me reconhecendo, Mr. Serafin?” perguntou, amigavelmente, o guarda, enquanto tirava o quepe. “O senhor tá trabalhando na reforma da minha casa. Eu lhe dei uma multa e por favor, não deixe de comparecer à Corte para pagar os cinqüenta dólares. A ordem que temos é de chamar a imigração para o senhor. Mas, pode ir trabalhar, que já está atrasado. Encontramo-nos mais tarde, lá em casa.”Antônio respirou aliviado. Realmente, a sua sorte foi bem melhor que a do seu primo e de muitos outros. Orou agradecendo a Deus porque tudo não passou de um grande susto e uma multa. Daquele dia em diante, iria esperar o sinal verde nem que tivesse que perder todo o dia no tráfego ou levantar-se uma hora mais cedo pra chegar ao destino. E, certamente, iria procurar uma igreja. E não deixaria as orações só pra hora do aperto...
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Texto de Leonina Fortunato Heringer (2007)
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Leonina é filha de Erandir Heringer e Norival Fortunato, de Laranja da Terra, e mora há alguns muitos anos no exterior.

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